QUASE NOTAS ETNOGRÁFICAS DE UMA INTERNAÇÃO HOSPITAL

Em outubro do ano passado fiz uma angioplastia para tirar uma obstrução em uma artéria. Isso que fazem agora antes que se tenha um infarto. No Incor. Hospital de referência.

Tudo bem. Só que depois comecei a sentir uma dormência e umas fisgadas no local da punção. O clínico manda fazer uma ultrassonografia, dizendo que, como existem enervação por perto da artéria femural, pode haver uma irritação.

O médico do ultrassom termina e diz que estou “com um probleminha” que deve ser tratado imediatamente. É um tal de pseudo aneurisma na artéria femural, certamente intercorrência da angioplastia.

E me manda ir logo para o PS do Incor, com o exame e uma carta.

Ainda chego no PS esperançoso de que algum remedinho resolva o assunto.

Ledo engano.

De ontem para hoje, vou anotando essas observações.

Hospital.

A primeira coisa, óbvia, é que você está com algum problema o suficientemente sério para exigir uma hospitalização. Mas, cum grano salis… Aparentemente há meses estou com o que definiram como pseudo-aneurisma na artéria femural, aparentemente intercorrência comum em quem faz uma angioplastia. Andava, fazia exercícios, fazia amor, dirigia, bebia e fumava. Tudo normal. Ok, sei que aneurismas podem se romper subitamente. Mas você está no hospital, onde qualquer emergência é tratada na hora, e fica proibido de levantar para mijar. Cagar, então, só na “comadre”.

Aí é que a coisa pega. Ao ser internado, deixa-se de ser uma pessoa. Passa-se a ser um “paciente”. E paciente, no caso, significa ser tratado como objeto. A pessoa é manipulada, obedece ordens arbitrárias, é picado por agulhas, prendem sensores pelo corpo. Em uma enfermaria, o barulho é incessante, enlouquecedor. Os bipebipe das traquitanas, que não param nunca, a reclamação de outros impacientes pacientes, tudo contribui para a despersonalização.

As traquitanas de “monitorar” os pacientes são outra merda. Em tese, ligam um bando de eletrodos no peito para ver como o coração anda. Só que a porcaria apita por qualquer coisa insondável. A enfermeira diz que observa desde a mesa do posto. Bem, se monitora de lá, porque a porcaria fica apitando de cá? E quando apita forte, em tese sinalizando algum problema, aparece a enfermeira, aberta algum botão e o bipebipe para. Sem explicações. Uma das faixas aparece sem movimento. Como não estou morto, é óbvio que algum contato não funciona. A enfermeira chega, confere os eletrodos e comenta que “talvez os pelos do peito estejam atrapalhando o contato”. E não faz nada, claro. Cinco muitos depois o alarme, completa, total e irremediavelmente inútil dispara de novo. O Ponte Preta estava errado. Não é a televisão a máquina de fazer doidos, a verdadeira máquina de fazer doidos é o tal monitor de hospital, que faz coro com todos ou outros na enfermaria. Tecnologia é isso aí, Dr. House…

Depois de muita bipebipagem, a enfermeira decide fazer uma tricotomia para o eletrodo fixar melhor. No velho estilo de barbeador descartável, pois o barbeador elétrico está sem lâmina. Coisa alkimista….

Com a proliferação dos celulares, as conversas dos outros, em voz alta, revelam intimidades, medos, preocupações.

Passa a médica clínica. Reclamo do monitoramento inútil e o bom senso prevalece e ela manda me desligar. Ufa! Banheiro liberado.

A clínica avisa: quem vai decidir o que fazer é o “vascular”. Ou seja, algum médico da equipe de cirurgia vascular.

No meio da tarde chega o “vascular”. Pergunto pela demora e ele diz que só fora avisado horas antes. Quando informo que estou aqui desde a véspera, balança a cabeça.

É meu xará. Examina, pergunta e me diz que irá conversar com o chefe. Peço-lhe o favor de não me deixar mais um dia esperando.

Ele volta logo, e me diz que optaram pela tentativa de solucionar o problema de forma não invasiva. Fará uma bandagem de pressão sobre o tal pseudo aneurisma para ver se resolve. Só que tenho que ficar com a perna sem mexer (adeus banheiro) até sexta-feira.

E se não funcionar? Podemos tentar uma injeção de coagulante ou, no limite, dá-se um corte é um ponto no furo do pseudo aneurisma.

Resultado: fico aqui pelo menos até sexta, quiçá mais.

Vão me transferir para um quarto? Claro. Só que para hoje não tem vaga em quarto.

Bem, como estou tomando um monte de anticoagulantes por conta da angioplastia, tenho minhas dúvidas de que essa bandagem funcione. Veremos.

Acho que nem Dante imaginou uma merda dessas. E criada para seu “bem”.

Acho que sobreviverei ao bem e ao mal.

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Micos amazonenses

A última eleição para governador do Amazonas deixou os eleitores em uma situação difícil. Por um lado estava o José Melo (Melo Merenda, segundo o Bessa, mas há outros epítetos, impublicáveis em um post familiar como este), que era o vice do Omar Aziz e concorria à reeleição (não como vice, ó céus, mas como titular), e o ex-governador Eduardo Braga. Trocando um pelo outro não dava nada, mas o Dudu perdeu e foi consolado com um ministério, por conta do PMDB.

A política do Amazonas tem dessas coisas…

Agora o Bessa cronica uma proposta total e completamente estapafúrdia que o recém-eleito (ou reeleito) mandatário anunciou. Nada acrescentar à crônica do Babá.

Portanto, TaquiPraTi:

Taquiprati

VAI, POROROCA, PARA O NORDESTE
José Ribamar Bessa Freire
04/01/2015 – Diário do Amazonas

 

“Rio caminho que anda  /  e vai resmungando talvez uma dor.
Ah quanta pedra levaste  / outra pedra deixaste sem vida e amor”.
Miltinho – Eu e o Rio

Excelentíssimo Sr. Governador do Estado do Amazonas
José Melo de Oliveira
Saudações! Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer o que penso sobre o seu projeto de transportar água do rio Amazonas para o semiárido nordestino, anunciado antes de sua posse num almoço com jornalistas na Secretaria Estadual de Fazenda. Ali, na sobremesa, V. Exª disse ter se inspirado no oleoduto da Sibéria para propor a construção, “com dinheiro do Tesouro”, de um duto, cuja trajetória, nos cálculos dos especialistas, vai da foz do Amazonas até Maceió, cruzando o sertão de sete estados: MA, PI, CE, RN, PB, PE e AL (Ver mapa).
Na ocasião, em presença de todo o secretariado, V. Exª declarou que vai apresentar o projeto no primeiro encontro com a presidente Dilma a quem pretende convencer com argumento irrespondível publicado nos jornais de Manaus (30/12):
– “A água do Rio Amazonas vai para o mar e não há nenhuma comprovação científica de que a retirada da água doce faça alguma interferência na natureza. Se eu fosse a Dilma, investiria na ideia. Vou levar essas ideias para ela, vou colocar no ouvido dela essas minhas loucuras”.
Que loucura que nada, governador! Deixe de autocrítica exagerada. É isso mesmo! Surpreendente revelação: a água do rio vai para o mar. A cada segundo, o rio Amazonas joga fora no ralo do oceano Atlântico cerca de 300 mil metros cúbicos de água, o que representa um quinto de toda a água fluvial do planeta. Quanto desperdício! Para que tanta água, meu Deus? Ela vai se misturar com água salgada, o que é um estrago inútil, o melhor mesmo é compartilhá-la com quem precisa. Imagina se a natureza vai ficar preocupada com a retirada da água doce! Isso é frescura de ambientalista.
Aqueduto Melo Merenda
Sem querer puxar vosso excelentíssimo saco, senhor governador, acho que a Dilma vai a-do-rar. Esse projeto genial, que pensa o futuro amazônico vinculado ao Brasil, reflete o raciocínio simples de pessoa humilde como V.Exª., que começou sua carreira como datilógrafo da Universidade Federal do Amazonas, foi nomeado depois pelo governo militar diretor da Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI), encarregado de identificar os subversivos daquela instituição e depois, em 2005-2006, presidiu a Sociedade de Navegação Portos e Hidrovias do Amazonas (SNPH). Isto lhe dá legitimidade em questões de flumenlogia.
Este projeto, uma jogada de mestre, lhe traz duas vitórias políticas. De um lado, V. Exª que é do PROS (vixe, vixe) entra na seara do Ministério de Minas e Energia, cujo novo titular é o senador cadeirudo Eduardo Braga (PMDB, vixe, vixe), seu adversário derrotado nas últimas eleições para governador do Amazonas. De outro lado, costura relações com os governadores do nordeste. Se o projeto se concretiza, V. Exª decola para outros voos que podem aterrizar quiçá no Palácio do Planalto. Nunca um amazonense foi presidente da República. A hora se avizinha.
Do ponto de vista econômico, as vantagens são muitas. Uma obra de tal vulto vai gerar empregos e salvar empreiteiras desmoralizadas na Operação Lava Jato que investiga lavagem de dinheiro na Petrobrás. O desvio do curso do rio pode render tanto, mas tanto, que o desvio de ovos da merenda escolar vai parecer coisa de criancinha. Além disso, irrigará terras amigas da senadora Kátia Abreu, afilhada de casamento da presidente Dilma, incentivará a produção de soja, fortalecerá o agronegócio, aumentará as exportações, trazendo divisas para o país.
Do ponto de vista geopolítico, os benefícios são incontáveis. O Amazonas, que hoje com seus 6.992,06 km é o segundo rio mais extenso do mundo, se tiver seu curso ampliado atingirá mais de 10.000km, o que o levará ao primeiro lugar no ranking, deixando o Nilo e o Mississipi-Missouri lá atrás. Aí sim será um “rio de integração”, podendo captar verbas do Ministério de Integração Nacional, comandado por Gilberto Occhi (PP, vixe, vixe), cujo orçamento autorizado em 2014 foi de R$ 10,9 bilhões.
Por tudo isso sugiro que o novo curso do rio Amazonas pelo nordeste se chame Aqueduto José Melo Merenda, codinome popular com que seu autor é conhecido no Amazonas. Homenagem merecida.
Flumicídio
Longe de mim querer fazer intriga, mas V. Exª deve desconfiar do novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo. Ele é bem capaz de se apropriar do projeto, modificando-o e dando-lhe conteúdo nacionalista, já que o rio Amazonas é visto pelos xenófobos como um “rio impatriótico”, pois suas águas cavam e engolem terras no Brasil que são carregadas pela corrente oceânica do Gulf Stream até a Flórida, nos Estados Unidos. (Será por isso que a emergente burguesia de igarapé compra imóveis em Miami, querendo ficar perto da terrinha surrupiada?).
O certo é que, com o aqueduto, a Amazônia deixará de ir de bubuia para Miami para seguir em direção ao Brasil profundo. No entanto, enquanto V. Exª quer ir para o Nordeste, advirto que Aldo Rebelo vai escolher São Paulo como destino final. É provável que quando tome conhecimento do projeto genial, com cujas premissas concorda, Aldo Rebelo convoque a equipe que já fez um novo traçado, ampliando a extensão do aqueduto (ver mapa).
No novo curso alternativo proposto, o rio corta o sul do Pará e o Tocantins, dá uma desviada pela Bahia onde corre lentamente, que ninguém é de ferro, desce desconfiado por Minas Gerais onde atravessa a fazenda dos Neves, em Cláudio, para humilhar o aécioporto, e de lá vai resmungando uma dor pelo Rio de Janeiro, bordeando a fronteira até São Paulo.
A escolha que interessa Aldo Rebelo obedece a razões econômicas e políticas. É que ele quer concorrer ao governo de São Paulo, em 2018, ou como candidato a vice-presidente de Lula. Dessa forma, pretende isolar o governador Alckmin (PSDB, vixe, vixe), que decretou o racionamento e está multando quem não economizar água.
Senhor governador, seja qual for o trajeto do aqueduto, o Amazonas está de parabéns por ter um gênio no seu comando. Não ligue para a oposição que vai denunciá-lo como flumicida, assassino de rios. Eles não sabem o que falam. Ao contrário de Vossa Excelência.
A morte dos rios
Dou-lhe, senhor governador, um conselho de graça para levar esse projeto até o final. Existem três livros que V.Exª NÃO pode ler sob hipótese alguma, porque contradizem a tese melo-merendista de que – segundo a ciência – a retirada de água doce não fere a natureza. A leitura deles deixa claro que secas como a de São Paulo ou do Nordeste foram produzidas pelo homem que mexeu com o sistema hídrico e alterou o balanço de entrada e saída de água. Sem programa inteligente de gerenciamento de bacias hidrográficas, a água vai pro brejo e com ela todos nós.
O primeiro livro a evitar é a Morte Social dos Rios – Conflito, Natureza e Cultura na Amazôniaescrito por Mauro Leonel, professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em integração da América Latina da USP. O autor mostra como os diferentes segmentos sociais se apropriam dos rios, considerados como importantes para a natureza da qual o homem faz parte. Estuda a relação do poder com a malha fluvial desde o Brasil colônia até a República, condenando sua exploração predatória.
O segundo livro que não deve ser lido é de autoria do historiador Victor Leonardi – Os historiadores e os rios – com um estudo sobre o rio Jaú. Ex-professor das Universidades de Brasília, Unicamp e Berkeley, ele relaciona meio ambiente, história social e ambiental e analisa as mudanças ao longo do tempo. O autor escreveu outro livro a ser também evitado – Entre árvores e esquecimentos: história social dos sertões do Brasil – no qual analisa o papel dos rios no interior do país.
O terceiro livro – Os senhores dos rios: Amazônia, margens e história – conta com vários autores e foi organizado por Mary del Priore, ex-professora da USP e da PUC/RJ e Flávio dos Santos, historiador, professor da UFRJ. Lá, os autores discutem conceitos e abordam a dinâmica de fronteira, a diversidade na Amazônia, a organização do trabalho, analisando as representações do europeu sobre a região.
Fuja desses livros, senhor governador, como o capiroto foge da cruz sob o risco de sua leitura fazer V. Exª mudar de opinião. Eles estão apoiados em dados empíricos, em documentos, em fatos. Se os tempos fossem outros, os bons tempos em que funcionavam nas universidades as AESIs, tais livros seriam certamente queimados por atentarem contra a ordem vigente.
Excelentíssimo senhor governador, o nosso projeto – permita que use aqui o possessivo – seja qual for o traçado, traz vantagem adicional: vai levar para fora da Amazônia a pororoca, que derruba árvores de grande porte e deixa insegura a população ribeirinha. Que a pororoca vá estrondar em Maceió, em Santos ou no raio que o parta.

Atenciosamente. Amos. Atos. Obros. Taquiprati

P.S. 1 A foto foi pirateada, o mapa foi elaborado pela especialista doutora pela USP A.P.Souza Artaxo.

P.S. 2 – P.S. 3 = VEJA OS O OVOS DO MELO: OMELETE

http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=372.

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“A GRANDE ILUSÃO” – UM FILME DE HOJE

O filme de Jean Renoir, lançado em 1937, faz parte da caixa “A Primeira Guerra no Cinema – Seis Clássicos sobre o Conflito3d-primeiraguerracinema –  lançado  pela Versátil para lembrar os 100 anos daquela que foi chamada de Grande Guerra, a “Guerra para acabar com todas as guerras” e que resultou, na verdade, ser apenas a batalha introdutória de um século polvilhado de conflitos sangrentos, com milhões e milhões de mortos. Só para citar um dado, Picketty, em seu “O Capital no Século XXI” lembra que nessas duas guerras mundiais – em especial na segunda – houve realmente um declínio no patrimônio dos mais ricos, que se recompôs – velozmente, aliás – depois de 1945.

O filme de Renoir, finalizado quando a Guerra Civil Espanhola já estava em pleno curso, mostra desde o título que essa história da “guerra para acabar com todas as guerras” era simplesmente uma grande ilusão. O filme pacifista – sem nenhuma cena de batalha – foi imediatamente detectado pelos nazistas e fascistas como uma peça de denúncia da xenofobia e, principalmente, como as questões de classe estão umbilicalmente envolvidas nos conflitos bélicos. Goebbels determinou que o filme fosse o primeiro e um dos principais alvos da apreensão quando os nazistas conquistaram a França, pois Renoir havia sido definido pelo chefe da propaganda hitlerista como “Inimigo Público n. 1 no Cinema”. Goebbels sabia muito bem o que fazia, mestre que foi no uso de filmes como instrumento de mobilização e propaganda.

la grande ilusion O título de “A Grande Ilusão” faz referência a um romance do mesmo título de Norman Angell, hoje pouco conhecido, mas um tremendo sucesso quando lançado em 1913, e que argumentava que a guerra era algo fora de moda, não cientifica e absurda, e por isso mesmo uma grande guerra europeia “não poderia acontecer”. Renoir sabia que o público reconheceria a alusão em suas múltiplas acepções, inclusive pelo fato de que a ideia do autor não se revelou uma profecia correta. No entanto, no relançamento do filme, em 1958, o trailer – um Jean Renoir conversando com os espectadores – ele diz que a história se baseia nas façanhas de um seu camarada piloto, Pinsard, que foi feito prisioneiro sete vezes e fugiu outras tantas para voltar a pilotar.

O roteiro se baseia em grande medida também na experiência de vida de Renoir, que foi piloto militar e ferido várias vezes, embora não tenha sido prisioneiro de guerra. Depois do filme lançado, um militar francês Jean des Vallieres, autor de um romance bem chauvinista intitulado “Kavalier Scharnhost” processou Renoir e o roteirista Charles Spaak por plágio, mas foi derrotado nos tribunais. Entretanto, historiadores reconhecem que alguns traços do roteiro foram realmente inspirados no romance. Renoir declarou várias vezes que memórias de prisioneiros de guerra fazem parte da história e não são propriedade particular. Como se percebe, o filme é uma colcha de retalho de relatos e experiências vividas por vários personagens.

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José Gabriel – Fotógrafo

Nosso filho, José Gabriel, é fotógrafo.

Aqui, algumas fotos de lugares e pessoas de S. Paulo. As pessoas foram fotografadas no minhocão.

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Para contatos com o jovem: zegabriel.zega@gmail.com

Ou visitem a galeria dele no Flickr: https://www.flickr.com/photos/zegabrielzega/page1/

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BOYHOOD – UM FILME A VER

boyhood cartaz Fomos assistir Boyhood – Da Infância à Juventude, do Richard Linklater, na antevéspera do Natal. Nem havia percebido que o filme durava quase três horas. E nem notei as horas passarem.

O enredo é simples, a partir de uma ideia engenhosa. Linklater selecionou um grupo de atores, incluindo um garoto que, no início das filmagens, tinha sete anos de idade, e foi emendando esquetes da vida desse menino-adolescente-jovem nos doze anos seguintes. Inclui uma irmã, a mãe e o pai, os filhos de outro casamento da mãe, colegas de escola, namoros, projetos de vida e tudo mais que acontece nesse período de vida.

Aparentemente, nada de extraordinário acontece. É um menino que cresce, vai para a escola, passa pela adolescência e, jovem, sai de casa para ir para a universidade. A mãe está separada, casa-se duas vezes no decorrer da história; a irmã é uma pentelha no começo que vai ficando simpática.

O pai, apesar de separado, está sempre presente na vida dos garotos.

Um elenco muito bom. Linklater aposta em um garoto, sem saber se ele realmente poderá ser o ator necessário para a adolescência. O mesmo com a menina, que é sua filha e tenta desistir no meio do caminho. Os dois personagens adultos, a mãe, Patrícia Arquette e o pai, Ethan Hawk, também estão ótimos.

Ethan Hawk já fez três filmes com Linklader, a trilogia “Antes do Amanhecer”, “Antes do Pôr-do-sol” e “Antes da Meia-Noite”. Sua estreia como ator foi como o jovem Todd, em “Sociedade dos Poetas Mortos” e também trabalhou em “Nação Fast-Food” e “Antes que o Diabo saiba que você está morto”. Faz o papel de Chet Baker em um filme que está em pós-produção, e em vários outros filmes que se destacam da mediocridade corrente.

Patricia Arquette é uma triz interessante, que valoriza até papeis bobos que andou desempenhando por aí. Um traço interessante em “Boyhood” é como ele aparece gorda, magra, feiosa, simpática e séria no decorrer dos anos. A impressão que dá é que, em alguns dos anos, ela realmente nem gostaria de estar filmando, mas avança com galhardia na história da mãe que engravida jovem, volta para a universidade com dois filhos e persiste até virar professora. No meio do caminho casa e se divorcia mais duas vezes, e os maridos, todos, são contrastes entre si. O personagem de Hawk, o primeiro, parece um sujeito meio irresponsável que se manda para o Alasca. Depois que volta, acaba se firmando como avaliador de riscos para seguradoras. No final comenta com o filho que “agora era o que a mãe dele gostaria que ele fosse quando se conheceram”.

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O pai aparece no filme com essa panca de irresponsável, sutilmente transmitida pela mãe. Fiquei sempre esperando que ele fizesse uma falseta com os filhos, mas resultou ser um pai muito presente, caloroso.

A história do filme é quase uma “não história”. Não acontece nada de notável ou particularmente interessante. Mas isso esconde a força do trabalho de Linklader, que vai exemplificando, com os pequenos esquetes de cada ano, como vai se formando uma personalidade. Ou, melhor dizendo, como evoluem as caraterísticas de cada um dos membros daquela família. Mãe, pai, filho e filha aparecem em sua transformação continuada. Os mais velhos, da juventude ao amadurecimento; par de filhos da infância à juventude.

É um filme muito “falado”, como os de Woody Allen. Aliás, o estilo de Linklader me lembrou o de Allen. Não pela introspecção e autocomiseração da cultura judaica que o Woody vai mostrando enquanto faz piadas, mas pelos comentários constantes que os personagens trocam entre si.

Segundo Linklader, a partir da ideia original, ele foi construindo os mini-roteiros a cada ano, considerando as transformações que observava nos jovens, na sociedade dos EUA e sua percepção. Dessa maneira constrói um documentário que, paradoxalmente, é absolutamente ficcional, mas transmite com fluidez a formação da weltanschauung do rapaz e as sutis transformações da sociedade onde vive.

Vale a pena ver. Curti demais.

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CHOVE CHUVA

Pedro Lucas Lindoso

cabeceirassaobentobanhodechuva_a Da minha varanda observo que a chuva é torrencial. Não é uma simples chuva. É o que chamamos de toró. Os livros de Geografia as classificam como tempestades tropicais.
Quando há esse tipo de temporal, as telhas, cercas e fiação elétrica podem ficar comprometidas. Árvores desabam e algumas casas ficam totalmente destruídas, assustando os moradores. Nas casas de madeira, muitas vezes as paredes e o telhado são arrancados. Os esteios de sustentação ficam comprometidos.

Um jovem casal de pernambucanos transferidos para Manaus há pouco tempo subestimou o temporal. Deixou um toldo, do tipo tenda, emprestado para uma festa, esquecido no quintal. O peso da água foi suficiente para quebrar os quatro espeques da tenda, danificando-a totalmente.

O fato é que quando chove assim o caboco, que não é bobo, não sai de casa. Não sai nem para o enterro dele. Fica para o dia seguinte.

Na Justiça do Trabalho, quando a chuva é muito forte, faltam muitos reclamantes. As reclamações são arquivadas e os advogados são forçados a novos protocolos. Alegria para os que advogam para empresas. E para os empresários, claro. Só não podem faltar os prepostos das empresas. Se o caboco resolver enfrentar a chuva e a empresa faltar configura-se a revelia.

Mas há muito absenteísmo nas fábricas do Distrito. O fato é que faz parte da cultura. Choveu o caboco se recolhe.

Ninguém se atreve a remar pelo Rio Negro. Ocorre o banzeiro, com ondas de seis metros de altura.

Quando menino adorava tomar banho de chuva. Nem sempre tínhamos permissão. Ficaríamos eventualmente gripados. Mas fugíamos para a chuva. Os curumins amazonenses sabem que os pingos de nossas chuvas são grossos, gostosos, fortes, generosos. E o banho é uma delícia.

banzeiro

Chuva no Rio Negro

Ainda menino de calças curtas nos mudamos para Brasília. Estranhei. Chuva fina, fria, sem graça. Não havia meninos na rua tomando banho. Senti saudades de Manaus. Desejei voltar. Voltei trinta anos depois, mas voltei.

Meu sobrinho José Gabriel nasceu em Lima, no Peru. Dizem que não chove por lá. Deve ser verdade. Ainda garotinho ele voltou para o Brasil e viu chuva pela primeira vez. Encantou-se. Chamou seu pai e exclamou extasiado: ”Mira, mira taita”. Taita é papai em Quéchua, idioma de sua babá peruana. Além do Quéchua, José Gabriel foi exposto ao Português e ao Espanhol. Acho isso um privilégio.

Volto a admirar a chuva. A luz se apaga. Quando chove assim, temos apagão e a internet não funciona. As TV’s às vezes também saem do ar. Não é só os cabocos nativos e a natureza que se recolhe. As coisas do homem moderno deixam de funcionar.

chuva tropical 1 Não adianta reclamar. Deixei o tablet de lado, coloquei meu calção de banho e fui tomar banho de chuva na área externa do condomínio. Quatro curumins tiveram a mesma ideia e corriam com a bola pelo campinho de futebol. Voltei à infância. Que delícia. Só faltava uma bica com origem numa calha qualquer, daquelas bem fortes. São mais potentes que qualquer chuveiro moderno. Foi uma alegria. E nem fiquei resfriado. Saí cantando: chove chuva, chove sem parar.

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PAGANDO MICO DE AVÔ

Avô existe para pagar mico mesmo.

Ponho uma casaca de Papai Noel (de feltro, um calor horrível), o gorro e uma barba falsa, e desço com dois sacos vermelhos cheios de coisas de plásticos – volumosas e baratas, como criança gosta mesmo, enquanto não está infectada por certos vírus  – e desço para a sala, onde os netos, que acabaram de chegar, me esperam.

O Teo olha e mata a charada na hora.

– É o vovô, é o vovô! – exclama espantado.

Ganhei o ano. O saco cheio do bom velhinho pagou o mico, e a pena.

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OS GENERAIS EM SEUS LABIRINTOS

Labirintos são habitados por monstros indesejados.

Labirintos são habitados por monstros indesejados.

“Parece que el demónio dirige las cosas de mi vida”
Carta de Bolívar a Santander, epígrafe do romance “El General en su laberinto”, de Gabriel García Márquez.

No romance de García Márquez, um Bolívar à beira da morte rumina o que fez e deixou de fazer, afogado entre suas ilusões e seus arrependimentos, orgulho aguilhoado por ter sido forçado a renunciar à presidência da Gran Colombia, e testemunhando o esfacelamento de seu sonho – libertário e profundamente autoritário ao mesmo tempo – de uma América hispânica unificada, e se perde em seu labirinto.

Os generais brasileiros que participaram do golpe de 1964 e fizeram parte do aparelho repressivo também estão perdidos nos seus.

Só que são bem diferentes dos labirintos de Bolívar, que se lamentava do fracasso de seu sonho da “Pátria Grande”. Os labirintos dos generais brasileiros são muito mais sombrios, marcados pela violência, pela manipulação dos fatos e a tentativa de negá-los, tachando-os de “parciais”.

Com a divulgação do Relatório da Comissão Nacional da Verdade, os gorilas de ontem tentam comprometer seus colegas de hoje no longo processo de mentiras, deformações e ocultações que construíram desde 1954, que resultou no golpe do dia da mentira de 1964 e que, infelizmente, ainda não acabou totalmente. Um labirinto no qual o relatório da Comissão Nacional da Verdade quer fazer o papel de fio de Ariadne para que dele possamos finalmente sair.

O Minotauro - pesadelo que assombra generais com medo de serem devorados.

O Minotauro – pesadelo que assombra generais com medo de serem devorados.

Tal como o Bolívar do romance, os generais brasileiros não querem sair do labirinto. Bolívar lamenta os sonhos perdidos. Os milicos brasileiros gostam da escuridão e dos recovecos onde foram escondendo cadáveres, paus de arara, máquinas de choque, repressão aos movimentos sindicais e populares; violência contra indígenas; violências contra a inteligência, com a censura, a prisão e o exílio de artistas, escritores e intelectuais. Labirinto com claraboias que produziam as miragens fantásticas do Brasil Grande, que incluiu desde o afogamento de fronteiras para construir Itaipu até o envio de tropas para invadir a República Dominicana, na única ação em que soldados brasileiros atuaram como mercenários de uma potência estrangeira.

Como estão perdidos no labirinto e detestam as luzes, os generais dinossauros manipulam mitos.

Qualquer manual de História do Brasil mostra, para os que sabem ler criticamente, como se constroem mitos e se falsifica a história. O mito do “Pacificador”, por exemplo. Para os militares, o Duque de Caxias, patrono do exército, aparece como “Pacificador”, por propor anistia aos líderes das revoltas que esmagou militarmente. Em vez de pacificar, as ações do Caxias construíram as bases desse “jeitinho” que tenta sempre resolver “por cima” as divergências entre as facções das classes dominantes. Sempre e quando as revoltas tiveram raízes realmente populares, não houve nenhuma “Pacificação”. A Revolução Pernambucana de 1817 e a Cabanagem são exemplos máximos, ainda no século XIX, de que a repressão aos movimentos populares sempre foi implacável e nada “pacificadora”. O exemplo se repetirá entre 1964 e 1985.

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Será o Bolsonaro um MYRAMEMBECA

O Deputado Jair Bolsonaro, capitão da reserva, e que foi o mais votado como Deputado Federal no Rio de Janeiro (a falta que um Cacareco faz ao eleitorado dá nisso), tem seu comportamento estrambótico decifrado. E o foi por uma luminar da Paris dos Trópicos, a gloriosa Manaus. Seguidora do psicólogo alemão Wilhelm Wundt, médico alemão cujo livro – Lições de Psicologia Humana e Animal – ajudou a elucidar o mistério e a matar a charada. A parte do livro que revelou a solução é a que se referia aos animais. Foi difícil, mas a professora Odaléa Frazão matou a charada, e “Aber das Endresultat, das wir erreichen, wenn wir solche Schwierigkeiten auf uns nehmen, ist wunderbar”(1), como declarou, em transe, o professor José Bessa, depois de contar a história.

Sem mais delongas, TaquiPraTi.

Taquiprati

BOLSONARO: O CÔNEGO E O MYRAMEMBECA

José Ribamar Bessa Freire

14/12/2014 – Diário do Amazonas

“E é por isso que eu falo / E não quero citar nome: /
Ser macho, hoje é bem fácil / O difícil é ser homem”. 
Nara Leão

O mistério só foi decifrado quando a psicóloga Odaléa Frazão descobriu o significado de “myramembeca”. Até então ninguém sabia porque a alma do Cônego aterrorizava exclusivamente o mulherio, jamais os homens, quando vagava – segundo diziam – pelos corredores e salas de aula. Várias alunas do curso noturno, muitas delas empregadas domésticas, contaram à polícia que no momento em que faziam xixi no banheiro uma voz cavernosa e mefistofélica vinda não se sabe de onde ameaçava com absoluta clareza:

– Mijoooona! Estou vendo tua xoxota cabeluuuda! Vou comer eeela!

bolsonaro foto

Alucinação? Isso acontecia uma ou duas vezes por mês, sempre à noite, no banheiro feminino com a porta fechada. A voz indicava até a cor da calcinha e não errava. As agredidas interrompiam a mijada e saíam em disparada humilhante, calcinha nas mãos, perseguidas por palavras que reverberavam em zigue-zague como se surfassem numa onda sonora. Por causa disso, de puro medo, o xixi passou a ser feito em patota. Era o “bonde do mijo”. Mesmo assim, como a voz continuou atacando, foi possível registrar o testemunho coletivo, desfazendo qualquer dúvida sobre possível histeria das mulheres. A voz existia mesmo.

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ACONTECEU EM COARI – Crônica de Pedro Lucas Lindoso

Lí nos jornais que a Prefeitura vai revitalizar a Manaus Moderna. Lembrei-me de uma viagem que fiz a Coari, de barco “à jato”, para comparecer a uma audiência na Justiça do Trabalho. A saída do barco se dá na Manaus Moderna.

A região do nosso Mercadão tem uma luz especial no início das manhãs. Ainda era madrugada quando fui para lá, esperar o “à jato” que me levaria a Coari.  Seriam de oito a nove horas de viagem subindo o Solimões. “À jato”, porque se fosse no “recreio” levaria dois dias de viagem.

Os rios da Amazônia são caudalosos e misteriosos. Enquanto esperava pelo embarque me inebriava com a brisa que vem do rio Negro. Uma aragem suave e que se mistura com os cheiros de peixe fresco e as iguarias que se vende no mercado.

Vejo os peixeiros e carregadores. Quando menino, lembro-me que usavam uma espécie de turbante, feito de saco de farinha, enrolado e cuidadosamente posto na cabeça. O arranjo serve para melhor aguentar o peso dos tabuleiros de peixe, das pencas de bananas e de sacos de estiva em geral. Hoje notei que usam casacos com capuzes. É a modernidade.

Olho novamente para o rio e me alegro. Era domingo e eu estava preparado para viajar o dia todo subindo o Solimões até Coari.

Eu gosto de viajar pelos nossos rios. A paisagem amazônica, considerada monótona por uns, e perigosa por muitos, me fascina.

Já visitei vários lugares no Mundo. A baia da Guanabara, o mediterrâneo na perspectiva de Nápoles na Itália, a baia de San Francisco na Califórnia.  Mas nada supera a fascinação que sinto pela paisagem misteriosa da Amazônia.

E por fim segui viagem. Eram sete horas da manhã.  Foi repousante ver e ouvir os passarinhos, quando o barco se aproximava das margens. O rio é tudo para o homem ribeirinho. Fonte de vida, alimento, sustento, meio de transporte.

Passamos por Manacapuru, Anamã e por Codajás. O vento de lá é poderoso. E os passarinhos continuam a me encantar e a me distrair durante todo o trajeto.

Por volta das cinco horas da tarde o “à jato” chega a Coari. Lembro-me que hoje a Cidade do Gás já foi a Terra da Banana. Época em que a cidade não era tão supostamente rica e talvez mais feliz.

Quando a visito lembro-me sempre de meu amigo Francisco Vasconcelos, o mais ilustres dos coarienses que conheço. Membro efetivo, emérito, verdadeiro, pioneiro, indiscutível do Clube da Madrugada. Autor do clássico livro de contos “o Palhaço e a Rosa”, relançou esse ano o “Regime das Águas”. É um dos imortais da Academia Amazonense de Letras. É de Coari.

Hospedei-me como sempre no Hotel Alex, do Jorge, outro ilustre coariense. No dia seguinte, segunda- feira, ponho o paletó e vou a pé para o Fórum Trabalhista.

Em frente ao Mercado, um senhor, ao me ver naquela inusitada fatiota, se põe a minha frente e me dá continência. Não sou autoridade. Nunca fui militar. Nem sequer servi o Exercito. Nunca havia recebido continência. Quem será que aquele senhor pensou que eu era? Para não ser indelicado, respondi a continência, apesar de considerá-la totalmente indevida.

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